"Nosso problema da educação já vem de longe. Todo cidadão brasileiro com um olhar mais apurado, sabe que o ensino no Brasil sempre foi relegado ao segundo ou terceiro plano. As escolas estão sucateadas e os professores mal formados e com remuneração indecente. Além disso, para resolver o problema é preciso pensar além da formação. Se não dermos melhores condições estruturais relacionadas à atratividade da carreira, dificilmente resolveremos a questão. Então, o que se esperar de uma nação onde um estádio de futebol tem mais importância que a educação em todos os seus níveis, pergunta Canindé Pegado, presidente do SINCAB".

Cerca de 39% dos 518.313 professores ativos da rede pública, dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio, não têm formação adequada para lecionar. A proporção considera o profissional individualmente, mas como muitos dão aula em mais de uma disciplina, são contados mais de uma vez se analisadas as posições docentes que ocupam. Por esse recorte, a taxa de professores com qualificação deficiente chegaria a 52%.

Os dados, referentes a 2015, foram divulgados ontem pelo Ministério da Educação (MEC), considerando as 709.546 posições docentes na etapa escolar analisada. Física é a disciplina com mais professores que ensinam sem ter licenciatura na área: 68,7%. Na Geografia, são 62,3%, seguida de História (60,1%), Ciências (59,9%), Matemática (51,3%), Química (46,3%), Língua Portuguesa (42%) e Biologia (21,6%).

A deficiência na formação vai desde o professor com bacharelado na área, mas sem licenciatura ou complementação pedagógica (considerado um caso menos grave), até docentes sem qualquer graduação — o que é proibido pelas normas da educação. Estão nessa situação 12,7% dos professores. Em Ciências, Geografia, História e Matemática, a proporção dos que ensinam sem curso superior varia de 13% a 17,2%.

 

— Se quisermos melhorar a qualidade da educação, temos de melhorar a formação do professor — diz o ministro da Educação, Aloizio Mercadante.

 

Superintendente do movimento “Todos Pela Educação”, Alejandra Meraz Velasco, afirma que, dessa forma, dificilmente será possível obter avanços na Educação como um todo.

 

— Além de dominar a matéria, o professor precisa dominar a didática específica para lecionar em cada conteúdo e um bom professor tem impacto muito grande no desempenho do aluno— diz Alejandra.

 

PACOTE DE OPORTUNIDADES

Ao apresentar os dados, Mercadante lançou um pacote de formação voltado aos professores da rede pública que precisam se qualificar. São 105 mil vagas para o segundo semestre deste ano: 81 mil por cursos a distância da Universidade Aberta do Brasil, quatro mil nos institutos federais e 20 mil nas universidades públicas de todo o país. Nesse último caso, a ideia é ocupar vagas ociosas já identificadas pelo MEC. As inscrições começam em 4 de abril no site Plataforma Freire, gerenciado pela pasta. O governo vai verificar com secretarias estaduais e municipais de Educação algumas possibilidades para atrair os docentes, embora estejam descartados repasses adicionais devido ao ajuste fiscal.

A ideia é investir nos que já estão em sala de aula, porque o ritmo de graduação é lento nas áreas mais carentes de profissionais formados para dar aula, além de a carreira não atrair quem sai da universidade, segundo o ministro:

 

— Se todos os profissionais que se formam por ano fossem dar aula de Matemática, precisaríamos de oito anos (para suprir a demanda).

 

De acordo com o professor da UFMG e coordenador do projeto “Pensar a Educação, Pensar o Brasil”, Luciano Mendes, para resolver o problema é preciso pensar além da formação. Ele acredita que, sem melhorias estruturais relacionadas à atratividade da carreira, dificilmente a questão será solucionada:

 

— Sempre critico o MEC nessa perspectiva de falar da formação de professores, como se o problema fosse apenas esse. Até os anos 70, as universidades públicas não tinham professores com formação em doutorado. Houve um grande programa aliado à formação, mas também a salários, tornando a carreira atrativa e hoje boa parte dos professores são bem formados. No âmbito universitário, isso se resolveu em 40 anos, mas na Educação Básica não conseguimos resolver em 200 anos, porque não se pensa em questões estruturais.

 

PROGRAMA PARA IMPLANTAÇÃO DE LABORATÓRIOS

Uma outra deficiência agrava o problema da falta de formação adequada dos professores no país: a escassez de laboratórios para desenvolver o conhecimento relacionado a determinadas disciplinas, como Química, Física e Biologia. Diante do quadro, Mercadante anunciou ontem que pretende coordenar ações à formação de professores para tentar reduzir a defasagem de laboratórios no país.

 

— A área de ciências é nossa prioridade e todo professor que for fazer o curso vai receber laboratório na escola dele — disse Mercadante.

 

De acordo com o ministro, quando o professor se inscrever no curso de complementação da formação oferecido pelo MEC, ganhará a construção de um laboratório de ciências em sua escola. Mercadante afirmou que será feito contato com a secretaria de educação local para providenciar a implementação do recurso. A medida é importante para que os profissionais consigam colocar em prática o conhecimento específico de suas áreas.

Segundo o Censo da Educação Básica, divulgado semana passada, apenas 15% dos alunos dos anos iniciais do ensino fundamental têm laboratório de ciências na escola. Nos anos finais, esse índice chega a 33,1% e, no ensino médio, 57,1%. Segundo a superintendente do movimento “Todos Pela Educação”, Alejandra Meraz Velasco, é necessário fornecer condições de trabalho aos professores, o que passa pela existência de estruturas mínimas:

— Dar condições de trabalho a esses professores é o mínimo que deveria ser garantido — diz ela. —Essa medida é um incentivo importante tanto para o professor quanto para as redes. É algo que deveria estar garantido independente da política de formação.