Apesar de representarem cerca de 46% da mão de obra ativa na economia brasileira e de serem maioria entre os estudantes de graduação e pós-graduação, o número de mulheres em cargos de liderança diminuiu nos últimos anos.

Segundo dados da consultoria Grant Thornton, de 2015, 57% das empresas brasileiras não possui nenhuma mulher em cargos de diretoria, presidência e conselho de administração. Bastante acima da média global de 32%, o número é o terceiro maior entre os 35 países pesquisados, atrás apenas de Japão e Alemanha.

Para a pesquisadora do Insper Regina Madalozzo, culturalmente os brasileiros têm dificuldades de perceber as mulheres como líderes. “Para que haja mudanças, primeiro é preciso reconhecer os tratamentos desiguais que ocorrem dentro de cada empresa, por vezes de forma inconsciente. Fala-se: ‘ela é tranquila, muito dócil, talvez não seja boa na liderança’. E aí a funcionária nem chega a ser testada em uma nova função. Ou, acontece o contrário, e a mulher é taxada como agressiva, o que, para um homem, seria visto como algo positivo”, afirma Regina, que participa do grupo Aliança para o Empoderamento das Mulheres. Olhares que trazem preconceitos culturais acabam prejudicando as avaliações de rendimento, que influenciam em promoções e aumentos de salário, diz ela. Como solução, treinamento, discussão e sensibilização para o tema é fundamental.

Dificuldade. Entre as brasileiras que conseguiram vencer todos os obstáculos está a engenheira civil e diretora financeira (CFO) da Itaipu Binacional, Margaret Groff, de 57 anos. Por muito tempo, ela foi vista nas empresas em que trabalhou como uma mulher em atividade de homens. “Sempre tive muitas dificuldades para ascender, mas sempre fui esforçada e busquei quebrar barreiras”, diz.

Na Itaipu Binacional há 28 anos, começou atuando na área técnica. Conta que nos primeiros 10 anos de empresa havia discriminação e ela não conseguia passar do cargo de gerência. “Eu atuava no setor de engenharia de manutenção.”

Querendo desafios, Margaret deixou o cargo para investir em uma nova área, dentro da Itaipu e foi atuar como analista no departamento financeiro em busca de crescimento profissional. Em 2003, a empresa implantou o projeto Incentivo à Equidade de Gênero. “Eu estava capacitada, me candidatei e assumi o cargo de diretora superintendente da Fundação Itaipu Brasil (Fibra). Passei a ter uma liderança formal e a coordenar o programa de equidade de gênero.”

Segundo ela, no começo foi difícil o entendimento das ações. Começamos a identificar quais os problemas das mulheres e a implantar projetos: horário flexível, possibilidade de acompanhar o filho às consultas médicas, oportunidades de cursos de formação e capacitação, seis meses de licença maternidade. A Itaipu Binacional tem 4.150 colaboradores do lado brasileiro da empresa, em torno de 45% são mulheres.

“Eu respondo direto ao presidente da empresa, ele me apoia e hoje participo ativamente de programas de lideranças ao redor do mundo. As mulheres sofrem mais no ambiente de trabalho e precisam atingir cargos de liderança para também levar outras mulheres a liderança”, diz.

Ana Paula Camargo, diretora de RH da Renault-Nissan, ainda se lembra da vez em que o comitê de direção da empresa decidiu organizar um evento recreativo. “De todo aquele grupo, eu era a única mulher”, conta. “E adivinha o que eles quiseram fazer? Jogar futebol, é claro!”

Embora nunca tivesse participado de uma partida de futebol, Ana aceitou jogar. “Acabei fazendo muitos gols e a história ficou bem conhecida aqui na fábrica”, comenta, rindo. “Precisamos construir essa relação de igualdade com pequenas rupturas… É um processo cultural.”

Há 15 anos na Renault, Ana começou trabalhando como publicitária. Por ter adquirido contato com vários setores internos, recebeu uma proposta para trabalhar na área de recursos humanos. Um levantamento feito pela empresa mostra que, em 2014, as mulheres ocupavam 18,3% dos cargos de gestão e eram titulares de 22% dos dois mil postos-chave da empresa no mundo.

Para Ana, o caminho para a mulher conquistar visibilidade no trabalho é buscar resultados, entender seus objetivos e, principalmente, fazer o que gosta. “Vejo muitas mulheres divididas, trabalhando angustiadas porque não podem dar atenção adequada à família”, explica. “O trabalho hoje é híbrido, mas a casa não: somos treinadas desde cedo a cuidar dos filhos e das tarefas domésticas, então muitas de nós relutam inconscientemente contra esta mudança.”

Maioria. Com formação em economia na Inglaterra e em Relações Internacionais no Brasil, a gerente de investimentos da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), Maria Luísa Cravo, de 37 anos, é maioria na instituição vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), que tem 218 mulheres e 174 homens, sendo que as mulheres também estão em maior números nos cargos de gerência.

“Entrei na agência como analista. Trabalhei sete anos na área de consultoria de negócios. A empresa está crescendo muito e houve a necessidade de dar maior atenção às mulheres que chegavam ao cargo de liderança”, diz Maria Luísa.

Em abril de 2013, a Apex-Brasil firmou um acordo de cooperação com a Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República e o MDIC com o objetivo de “elaboração e implementação de políticas e ações comuns de estímulo à igualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, em especial junto às empresas exportadoras”.

 

Empresas defendem a igualdade de gênero

Na última década, o feminismo, antes considerado apenas um movimento social, passou a integrar o universo corporativo. Após campanhas promovidas pela organização ONU Mulheres, criada em 2010, ações como flexibilização de horários e extensão da licença maternidade se tornaram mais comuns nas empresas.

Sandra Schneider, porta-voz da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), conta que os princípios de igualdade de gênero estimulados pelo programa colaboraram para, por exemplo, desenvolver novos uniformes de pesquisas de campo, antes produzidos apenas em modelos masculinos.

No ano passado, a CPRM recebeu pela terceira vez o selo Pró-Equidade de Gênero e Raça, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM). O programa atua na conscientização de empresas e a premiação já segue para sua sexta edição.

Mas dividir as tarefas entre vida pessoal e profissional tem sido um dos principais entraves para as mulheres conquistarem cargos de liderança. Para gerar equilíbrio, a Avon foi a primeira empresa brasileira a ter um berçário dentro do ambiente de trabalho, criado na década de 1980. O espaço é gratuito e oferecido para filhos de funcionários com até dois anos de idade. Através de análises, a empresa concluiu que, antes das mudanças, as mães permaneciam na empresa apenas um ano após voltar da licença maternidade.

Os Princípios de Empoderamento das Mulheres são direcionados ao meio empresarial, oferecendo orientação sobre como delegar poder às mulheres no mercado de trabalho. Atualmente, 70 empresas brasileiras participam. “Esse tema ainda é muito difícil no Brasil. Há resistência em todos os segmentos, inclusive na política”, afirma Nadine Gusman, representante da ONU Mulheres no Brasil.

A cada dois meses, desde 2012, 11 empresas de São Paulo se reúnem para debater a questão. O encontro ganhou o nome de Aliança para o Empoderamento das Mulheres. Como base para as discussões, foram determinados três temas gerais: a importância da liderança feminina, capacitação de mulheres e mensuração de dados. Uma vez por ano, os relatórios de cada empresa são analisados para concluir melhorias e determinar novas políticas.