O crescimento da renda dos trabalhadores e o elevado nível de emprego nos últimos anos fizeram com que muitas pessoas se sentissem confiantes para tomar crédito. Só que essa maré favorável vem baixando com o esfriamento da economia. Para os especialistas em finanças pessoais, a hora é propícia para reduzir o comprometimento da renda com o pagamento de dívidas.

"As pessoas não enxergam que o pleno emprego e a renda elevada não são eternos, que podem ficar desempregadas ou ganhar menos. Mas a tendência é de arrefecimento da economia", diz o economista e psicanalista Fabiano Calil. Embora a inadimplência venha baixando e o percentual de famílias endividadas já tenha sido maior, especialistas em finanças pessoais consideram que as incertezas no cenário deveriam provocar uma reflexão sobre a própria condição financeira e, se necessário, levar a ajustes para ultrapassar períodos de turbulência. O argumento é simples: colocar a casa em ordem e renegociar dívidas quando se está empregado e com os pagamentos em dia é mais fácil do que quando a situação já desandou.

Portanto, a recomendação vale não só para quem está inadimplente, mas também para quem está pagando tudo em dia e não se considera endividado. Consultores financeiros dizem que o ideal é não comprometer mais do que 30% da renda líquida (descontados os impostos) com o pagamento de dívidas. E não vale considerar como renda o limite do cheque especial.

A se tomar por essa recomendação, a saúde financeira de muitos brasileiros deixa a desejar. "O comprometimento da renda com o pagamento de dívidas no Brasil é superior ao dos Estados Unidos e a países como a Colômbia porque os juros ainda são altos e os prazos, curtos", diz o economista Carlos Henrique de Almeida, da Serasa Experian. Por isso, a inadimplência de pessoas físicas por aqui - de 5% em julho, segundo o último dado disponível - é o dobro da americana.

No Brasil, 63,1% das famílias tinham algum tipo de dívida em agosto passado, segundo a Confederação Nacional do Comércio. Na cidade de São Paulo, eram 52,6%, de acordo com a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). E, para muitas destas, o comprometimento da renda com o pagamento de dívidas superou o limite de prudência de 30%. Apenas 24% dos endividados utilizaram menos de 10% da sua renda para pagar dívidas com cheque pré-datado, cartões de créditos, carnês, empréstimos e financiamentos. Outros 51% comprometeram de 11% a 50% da renda. E 18% estão em situação delicada: empenharam mais de 50% da renda com dívidas. A situação é mais crítica para aqueles que ganham menos de dez salários mínimos.

"Os consumidores da classe C passaram a ter acesso a bens que não tinham. A tendência é tomar crédito para manter o padrão de consumo, elevando o comprometimento da renda com o pagamento de dívidas", diz Fernanda Della Rosa, assessora econômica da FecomercioSP. Já que a inflação corroeu o poder de compra e o crédito continua abundante, muitos se endividaram mais para continuar consumindo.

Calil diz que o primeiro passo para tomar as rédeas da vida financeira é montar um orçamento familiar, no qual constam as receitas, as despesas do dia a dia e as com o pagamento de dívidas (entram aqui mesmo as contas pagas em dia). Se o comprometimento da renda for superior a 30% e a pessoa não tiver uma reserva de pelo menos seis meses do seu salário para emergências, é necessário assumir a responsabilidade sobre o consumo desajustado ou a contratação de dívidas caras, buscando segurança financeira. Ainda mais porque o motivo que levou a maioria das pessoas ao superendividamento foi a inexistência de reservas líquidas para lidar com despesas inesperadas.

Os ajustes podem ser feitos pelo aumento da receita, pela redução das despesas com o pagamento de dívidas e pelo corte de gastos do dia a dia. Como nem sempre é possível aumentar a receita e há vários gastos fixos, a saída pode estar na renegociação de dívidas.

A dica dos consultores é fazer um levantamento de tudo o que se deve, a quais prazos e taxas, e a quem se deve - e trocar dívidas mais caras e mais fáceis de se contrair (como o cartão de crédito e o cheque especial) pelas mais baratas. Os juros do cheque especial dos bancos privados superam 150% ao ano, enquanto no crédito pessoal não consignado as taxas estão em torno de 70% ao ano e, no consignado, 27% ao ano.

As instituições financeiras são obrigadas a fornecer aos clientes os dados sobre cada dívida contraída - inclusive quanto do principal e de juros já foi pago. Na prática, a pessoa pode tomar emprestado no crédito pessoal e usar o dinheiro para pagar a dívida do cheque especial, por exemplo. "Quando a pessoa percebe que ficará no cheque especial mais tempo do que imaginava, já deveria conversar no banco para pegar outro empréstimo mais barato. Não adianta achar que o cheque especial não é um empréstimo", diz Leticia Camargo, planejadora financeira certificada.

Outra alternativa para reduzir os juros é dar ao credor algum bem em garantia do pagamento do empréstimo. Mas, nesse caso, é necessário ter a certeza de haver sanado o desequilíbrio que levou à dívida. Caso contrário, a pessoa poderá contrair mais crédito, ficar inadimplente e ainda perder o bem.

Existe também a portabilidade de crédito - a transferência de dívidas entre diferentes instituições, factível apenas para quem está com os pagamentos em dia. Pela portabilidade, o cliente de um banco pode negociar a transferência de um empréstimo para outro banco, com taxas inferiores. "A portabilidade deve ser uma iniciativa do consumidor. O banco não vai bater na porta de quem está pagando juros altos para oferecer um empréstimo com melhores condições", diz Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor-executivo da Associação Nacional de Executivos de Administração, Finanças e Contabilidade (Anefac).

Oliveira recomenda que primeiro o cliente procure o gerente de seu banco para saber se ele consegue lhe oferecer empréstimos com condições melhores. Segundo ele, os bancos têm se mostrado receptivos a essas demandas para não perder os bons correntistas. Se a resposta for negativa, deve-se procurar outra instituição e negociar empréstimos com taxas menores. Caso o negócio seja fechado, o novo banco paga a dívida no antigo e a transfere.

No entanto, é necessário ficar atento porque muitos bancos costumam oferecer empréstimos em melhores condições desde que o cliente compre produtos como títulos de capitalização e seguros - prática proibida. Por isso, é necessário analisar não apenas os juros, mas o custo total do crédito.

Embora a portabilidade seja uma opção para todos os tipos de financiamentos, ela é bem mais complicada no caso daqueles com bens em garantia - como os imobiliários e para aquisição de veículos. Neles, a redução nos juros deve ser muito boa para compensar os custos que serão arcados pelo cliente: o imóvel terá de passar por avaliação por parte do banco, o registro do imóvel terá de ser modificado (já que constará que ele está hipotecado para uma nova instituição) e haverá taxas de abertura de crédito.