"Há incógnitas conhecidas, isto é, há coisas que agora sabemos que não sabemos", disse o ex-secretário americano de Defesa Donald Rumsfeld, em 2002, tentando explicar o contexto imprevisível da guerra ao terror. "Mas também existem desconhecimentos desconhecidos - há coisas que não sabemos que não sabemos."

 

Onze anos depois, esse jogo de palavras, execrado na época, é um ícone pop, citado no filme "Guerra ao Terror" e parte de letras de músicas, como em "Riddles, de Joan Jett. E, principalmente, uma verdade: a incerteza é parte da vida. Investir no mercado financeiro, fazer projeções de inflação, jogar na loteria ou decidir levar ou não um guarda-chuva ao sair de casa são eventos que envolvem grande dose de incerteza. Mas, se até uma década atrás, a imprevisibilidade era considerada apenas um elemento do jogo, a tecnologia e os mercados mundiais aumentaram seus efeitos sobre as sociedades. A incerteza tornou-se fonte de angústia política e econômica.

"As incertezas aumentaram muito nos últimos anos", diz o professor de psicologia social da Universidade de São Paulo (USP) Sigmar Malvezzi. A tecnologia e as bolsas tornaram as economias mais instáveis. Governos perderam controle sobre mercados. "Outro ponto importante é o enfraquecimento da capacidade das instituições sociais - família, escola, igrejas - de reproduzir os valores e a cultura. Esse enfraquecimento está deixando as pessoas sem sentido na vida. Sem esse controle, os indivíduos são volúveis em suas decisões. Têm seu individualismo intensificado e isso aumenta as incertezas."

Estudos de psicologia cognitiva e neurociência, principalmente os mais ligados à neuroeconomia - que une neurociência e economia -, mapearam nos últimos anos como o cérebro humano reage aos momentos de incerteza. As decisões são tomadas no córtex pré-frontal médio, região localizada na altura da testa que orienta as decisões, pesando os resultados bons e ruins de escolhas passadas. Em testes com ratos - os cientistas dizem que possivelmente humanos se comportam da mesma maneira -, uma equipe do Instituto Médico Howard Hughes, nos Estados Unidos, conseguiu visualizar como surge a dúvida. No início, são apenas algumas células nervosas, mas, à medida que aumenta a confusão, mais e mais novas células ficam agitadas e criam um turbilhão mental, forçando uma mudança de perspectiva.

"Quando o ambiente muda, você quer reavaliar o mundo", diz Alla Karpova, neurocientista encarregada do estudo. Essa atividade parece indicar como agem, por exemplo, os donos de carteiras de ações em tempos de crise. Em outro estudo, do Programa de Neurobiologia da Escola de Medicina da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, cães foram submetidos a testes em que obtinham ração numa máquina parecida com uma de venda de refrigerantes. Conforme a portinhola do aparelho que escolhiam, podiam receber mais ou menos comida. Ou nenhuma.

O teste apontou para uma verdade conhecida dos mercados financeiros: em tempos incertos, somos conservadores. Quando aumentaram os nichos vazios, os animais passaram a escolher aqueles onde já sabiam que havia comida, mesmo que em menor quantidade. O resultado, segundo Michael Platt, neurobiólogo responsável pelo estudo, explica esse mecanismo de proteção.

Geralmente, as pessoas são avessas à incerteza quando tomam decisões sobre ganhos financeiros, revela a pesquisa. "Ao mesmo tempo, são mais abertas à incerteza quando se defrontam com perdas em potencial." Em outro exemplo, se uma pessoa for a um "game show" na TV em que o apresentador dá a chance de escolha entre receber R$ 100 mil naquele momento ou tentar a sorte e ganhar R$ 500 mil ou perder tudo, a maior parte dos candidatos escolherá a primeira opção. É o que os economistas costumam chamar de aversão ao risco.

Teste aponta para uma verdade conhecida dos mercados financeiros: em tempos incertos, somos conservadores

A descoberta explica por que, em momentos de grande incerteza, medidas de emergência tomadas por governos geralmente não funcionam. Trata-se do que o economista americano Nicholas Bloom, da Universidade de Stanford, chama de "choque de incerteza". Depois da crise que se seguiu à quebra do banco Lehman Brothers, Bloom foi um dos interessados em analisar como as economias se comportam em tempos incertos. Após analisar 14 crises, começando pela dos mísseis em Cuba, em 1962, até a quebra do Lehman Brothers, em 2008, notou que, em um primeiro momento, a incerteza sempre prevaleceu, anulando as ações dos governos.

O processo é conhecido. Em momentos de incerteza, os mercados reagem mal, derrubando as bolsas. As empresas congelam investimentos, e a taxa de desemprego aumenta. Os governos reagem, injetando dinheiro no mercado e cortando a taxa de juros. Mas, em todos os casos, a preocupação maior é sempre com o risco, anulando as medidas adotadas para contê-la. Somente há uma resposta quando a incerteza diminui e a economia se normaliza.

"Para os políticos, isso é importante: sugere que uma resposta monetária ou fiscal a um choque de incerteza provavelmente não terá quase nenhum impacto imediato", diz Bloom. Se medidas certas tomadas em um clima de incerteza podem demorar para ter efeito, uma subida errada na taxa de juros para conter a fuga de capitais, por exemplo, pode atrasar a recuperação mais tarde. "Políticas voltadas para o que está por trás da incerteza são mais prováveis de funcionar."

Sob incerteza, dizem outros estudos, as pessoas também se tornam mais propensas a antecipar gastos e fazer menos poupança. Os efeitos vão além da economia. "A incerteza pode afetar a política", diz Ingrid Haas, pesquisadora de psicologia política da Universidade de Nebraska. Em uma série de experimentos, ela testou voluntários em vários cenários criados para provocar incerteza. Os pesquisadores então faziam uma série de perguntas para determinar os níveis de abertura a novas ideias. Resultado: em tempos incertos, as pessoas se tornam mais intolerantes.

A rejeição aumentava quanto mais os participantes da pesquisa se sentiam inseguros. No mundo real, isso seria uma explicação para ondas de xenofobia e perseguição a minorias em momentos de temor nas sociedades sobre o futuro. Em um caso extremo, munição para o totalitarismo, como na Alemanha nazista. No mercado financeiro, mais uma explicação para o "efeito manada" em momentos de crise.

Mas a incerteza, descobriram os pesquisadores, também pode ter o efeito contrário no caso de opiniões radicais. Em situações nas quais a intolerância é resultado de alguma certeza, criar dúvidas nas mentes das pessoas levou a posições menos radicais. "Dúvidas podem gerar mentes mais abertas a opiniões opostas e menos dispostas a minimizar o que pensam os outros", diz Ingrid.

Bloomberg / Bloomberg"Há incógnitas conhecidas, isto é, há coisas que agora sabemos que não sabemos", disse o ex-secretário americano de Defesa Donald Rumsfeld, em 2002

Com dados sobre famílias em situação econômica frágil por causa da recessão entre 2007 e 2009, o sociólogo Dohoon Lee, professor da Universidade de Nova York, constatou que a incerteza também faz com que mães criem os filhos de maneira mais dura. Cada 10% de aumento na taxa de desemprego correspondeu a 1,6% a mais de casos de palmadas, gritos, ameaças e espancamento de crianças. Estudos sobre a Grande Depressão, nos anos 1930, haviam chegado à mesma descoberta, mas ligavam os maus tratos à vida mais difícil criada pela maior crise econômica do século XX.

Lee descobriu que a mente antecipa os piores momentos. Já na fase inicial da recessão, quando as taxas de desemprego ainda não estavam altas, mas o índice de confiança do consumidor caía, as mães começaram a bater e a gritar mais com os filhos. "A antecipação da adversidade foi mais importante do que a exposição real", asseguram os pesquisadores, que ainda fizeram mais uma constatação: entre mães com um grupo específico de genes que as deixam mais suscetíveis à incerteza, os casos de maus tratos foram ainda maiores.

Até mesmo os processos químicos que fazem sentir o sabor dos alimentos são afetados. Em um teste para o exército americano, em 2012, batizado significativamente de "Jantando no escuro", 160 voluntários experimentaram, de olhos vendados, porções de biscoitos, carne e enchiladas, uma tortilha de milho recheada. Enquanto nos dois primeiros pratos, que fazem parte da culinária do dia a dia, a aceitação não mudava, os militares recusaram a enchilada, prato mexicano não familiar a eles. Mas quando sabiam do que se tratava, a aceitação subia. Os resultados, segundo os organizadores da pesquisa, professores de universidades americanas como Cornell e Yale e de um centro de pesquisas do Exército em Massachusetts, mostram uma ligação entre os processos psicológicos e o paladar.

Esses estudos respondem a perguntas que filósofos e escritores fazem há milênios. Já no século IV A.C., o grego Sócrates criava sua frase famosa: "Só sei que nada sei". O francês Voltaire, no século XVIII, considerava a incerteza algo positivo: "Incerteza é uma posição desconfortável, mas certeza é uma [posição]absurda". Aqui no Brasil, Machado de Assis escreveu no romance "Esaú e Jacó": "O imprevisto é uma espécie de Deus avulso que pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos". O economista americano John Kennedy Galbraith (1908-2006), em seu clássico "A Era da Incerteza", tem uma visão negativa: em comparação com a certeza das ideias do século XIX, a incerteza atual é resultado da desigualdade, da ineficiência e da instabilidade.

Nem sempre incerteza é ruim. Para os criadores de videogames, por exemplo, quanto mais incerteza, melhor. Seja em clássicos como "Space invaders" e "Super Mario" ou em sucessos recentes, como "World of Warcraft", a quantidade de incerteza à qual o jogador é submetido desperta medos subconscientes e é a essência do jogo. Mas, no caso dos cientistas climáticos, falar de incerteza tem sido motivo de dor de cabeça.

Com o tufão Yolanda, que dizimou cidades inteiras nas Filipinas e deixou mais de 10 mil mortos, o tema da previsão climática ganhou destaque especial. Em estudo realizado em parceria com a agência Reuters, pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra, analisaram 350 notícias publicadas em seis países - o Brasil não faz parte da lista - e notaram que, em 80% dos casos de noticiário sobre o clima, falava-se da incerteza dos cientistas. A situação fez a Sense about Science, organização inglesa de divulgação científica, lançar uma campanha para esclarecer que incerteza não é o mesmo que ignorância.

"A existência de incerteza não significa falta de conhecimento ou que uma ação, bem justificada, não pode ser tomada", diz David Stainforth, pesquisador do instituto de pesquisas Grantham para a Mudança Climática e o Meio Ambiente, da London School of Economics. "Se eu jogar uma bola no ar, posso ter enorme incerteza quanto ao local onde ela vai parar, mas posso ficar muito confiante de que vai cair. E se eu não quero que ela caia na minha cabeça, posso ir embora."

Bloomberg / BloombergAo analisar 14 crises, incluindo a do Lehman Brothers, pesquisador verificou que a incerteza, num primeiro momento, sempre prevaleceu, anulando ações dos governos

Apesar dos alertas, continua-se a cobrar dos cientistas algo que a ciência não pode prometer: certeza. "Incertezas são inerentes ao processo científico e ao conhecimento em geral", diz o físico Paulo Artaxo, da USP. "Basta ver as incertezas nas projeções de inflação, de taxa de cambio, de cura de câncer etc. Essa confusão cria um ruído desnecessário, que não chega a ameaçar, mas sem duvida é um ponto muito negativo."

No último relatório do Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas da ONU, a palavra "incerteza" aparece 42 vezes. Mesmo assim, o documento recebeu criticas por despertar mais dúvidas no público e nos políticos. "A questão é que, nas mudanças climáticas, as implicações socioeconômicas são enormes", diz Artaxo. "Decisões de mitigação e adaptação são questões complicadas e com amplas implicações políticas."

Em outro aspecto, um dado curioso é que a incerteza não é percebida da mesma maneira em todos os lugares. Ao analisar, nos anos 1960 e 70, os dados de 100 mil moradores de 40 países diferentes para saber como reagem à incerteza, o psicólogo social holandês Geert Hofstede notou que a cultura local influencia essa visão.

O Brasil, segundo o estudo, é o país com maior aversão à incerteza na América Latina, onde a rejeição também é alta. Portugal, Grécia e Bélgica são outros lugares com grande rejeição ao incerto. Já Inglaterra, Suécia, Dinamarca, Jamaica e Cingapura veem a incerteza de maneira mais positiva.

"No Brasil, como nas sociedades com alta rejeição à incerteza, burocracia, leis e regras são muito importantes para fazer o mundo um lugar seguro para viver", diz o estudo de Hofstede. "A necessidade das pessoas de obedecerem a essas leis, no entanto, é fraca. Mas se as regras não podem ser mantidas, novas são feitas."

A sociedade, aqui, é moldada - concluiu o estudo - para evitar a incerteza. Brasileiros são mais coletivistas e costumam se juntar a grupos. Quanto menos voltada para o indivíduo for uma sociedade, mais mecanismos existirão contra momentos de incerteza.

Enfim, caso uma pessoa se sinta abalada pela incerteza, como lidar com ela? Um estudo da Universidade de Toronto, no Canadá, divulgado em junho, descobriu que ler romances diminui o bloqueio cognitivo, uma tendência a delimitar demais um problema. Cem voluntários, estudantes universitários, mostraram-se mais abertos a informações contraditórias depois de ler contos de autores como os americanos Wallace Stegner, Jean Stafford e Paul Bowles. As opiniões, no entanto, tornavam-se menos abertas com a leitura de ensaios. Se estiver se sentindo em dúvida, ler "Os Sonhos da Morte de Pessoas Queridas", de Sigmund Freud, será mau negócio.