A indústria de tecnologia passou por muitas transformações nas últimas décadas. Algumas tornaram-se aplicações bastante comuns, como o bluetooth (que conecta aparelhos em uma área limitada), as telas sensíveis ao toque e o acesso à internet sem fio. Na área de execução de tarefas, as empresas de tecnologia já adotaram voz e gestos para controlar equipamentos, sem precisar tocá-los. A próxima etapa consiste em comandar dispositivos com o pensamento.

No Brasil, pesquisadores de universidades desenvolvem cadeiras de rodas, controles remotos universais, membros artificiais e robôs usando tecnologias que permitem interpretar o pensamento do usuário para fazer dispositivos executarem funções a distância.

No Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisadores desenvolvem, desde 2004, uma série de produtos sob esse princípio. Nos primeiros projetos, um eletro-oculograma - aparelho que avalia o movimento dos olhos - foi usado para fazer robôs se moverem para os lados, para frente e para trás.

Em uma etapa seguinte, pesquisadores implantaram sensores de um eletroencefalograma (aparelho que mede a atividade cerebral) para captar o pensamento dos usuários e fazer objetos realizarem o movimento imaginado.

O cérebro humano tem em torno de 86 bilhões de neurônios, que se comunicam por pequenos sinais elétricos. Se uma pessoa realiza uma atividade física, ou só imagina o movimento, os mesmos grupos de neurônios começam a emitir impulsos elétricos, afirmou Carlos Julio Tierra Criollo, professor adjunto da Coppe/UFRJ.

Essa atividade cerebral é captada pelo eletroencefalograma e transmitida para um computador, que analisa os dados, convertendo-os em um comando, como ir para a direita. Esse comando é transmitido por internet para o robô, cadeira de rodas ou outro dispositivo. Tudo isso é feito em menos de um segundo. "É uma tecnologia relativamente barata e pode ser muito útil", disse Tierra, sem citar valores.

De acordo com o professor, essa tecnologia já foi implantada em projetos de cadeiras de rodas robóticas, controle remoto para TV, luz e sistemas de segurança. Tierra disse que os projetos não atraíram interesse de empresas, mas a tecnologia chegou a ser usada pela Escola Politécnica do Exército do Equador para desenvolver robôs.

Atualmente, a equipe de pesquisadores da UFRJ usa a mesma tecnologia para desenvolver um exoesqueleto para braço e mãos, que permite ao usuário movimentar o membro imaginando a ação.

Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pesquisadores desenvolveram um robô motorizado, composto de um braço mecânico, com capacidade para pegar objetos e se movimentar até o usuário para entregar o item.

A equipe da universidade também desenvolveu uma cadeira de rodas robótica que executa comandos imaginados pelo usuário. Nesse caso, além do eletroencefalograma, os pesquisadores adotaram um sistema de luzes que facilita a 'leitura' da atividade cerebral.

"Quando uma pessoa é estimulada com uma luz piscando em uma frequência, o cérebro se comunica na mesma frequência. Isso facilita a interpretação dos sinais", afirmou Bruno Vilhena Adorno, professor adjunto do departamento de engenharia elétrica da UFMG. Um dispositivo com luzes foi incluído na cadeira de rodas. Cada lâmpada pisca em uma velocidade, dependendo da direção. Se o usuário olha para uma das luzes, a cadeira se movimenta na direção daquela lâmpada.

O mercado de tecnologias de reabilitação movimentou R$ 3,5 bilhões no Brasil em 2013. Esse mercado cresce 20% ao ano, segundo a Associação Brasileira das Indústrias e Revendedores de Produtos e Serviços para Pessoas com Deficiências. Adorno, da UFMG, disse que, além do mercado de produtos para reabilitação, os robôs controlados pela mente podem ser adotado em áreas como manutenção de gasodutos e oleodutos, trabalhos na área hidráulica e energética e tarefas de risco, como atividades militares. A expectativa é que esses produtos demorem pelo menos uma década para chegar ao mercado brasileiro.

A demora deve-se ao fato de essa tecnologia não ser muito precisa. "Os movimentos dos olhos ou de um músculo do rosto interferem na captura de sinais", disse Adorno. Os pesquisadores também enfrentam dificuldades para fazer os robôs interpretarem pedidos complexos, como virar à esquerda e acelerar ao mesmo tempo.

Para reduzir interferências, alguns pesquisadores testam a inserção de chips diretamente no cérebro ou na medula de pacientes, para captar a atividade elétrica dos neurônios e transmitir os comandos ao robô. Essa tecnologia é usada, por exemplo, para a criação de um exoesqueleto que permitirá a um paraplégico dar o pontapé inicial na Copa do Mundo. O projeto, baseado em estudos do Instituto Internacional de Neurociência de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS) e da Universidade de Duke (dos EUA), é coordenado pelo cientista Miguel Nicolelis e conta com R$ 33 milhões da Finep - Agência Brasileira da Inovação.