Investimentos em tecnologia, sistemas inteligentes de cruzamento de dados, criação de mecanismos para aumentar o grau de formalização da economia e exigência de informações por parte das empresas, do sistema financeiro e até de serviços públicos são os ingredientes que fazem da Receita Federal brasileira um dos mais bem aparelhados órgãos fiscais de todo o mundo.

Cabe aos controles instituídos nos últimos dez anos pela Receita grande parte da responsabilidade pelo alcance, em 2013, de uma carga tributária de 36%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). Só o Imposto de Renda alcançou a marca recorde de mais de 6% do PIB na arrecadação do ano passado. Para este ano, a participação do IR tende a subir, em decorrência dos controles cada vez mais eficazes e do aumento da base de contribuintes.

Sem contar os retardatários, a Receita espera receber até o dia 30 de abril 27 milhões de declarações de IR, 1 milhão a mais do que em 2013. A ascensão das classes D e E, que empurrou um contingente estimado entre 30 milhões e 40 milhões de brasileiros para a classe C vem ajudando a elevar a base de pagadores. Mas o grande alimentador do número de tributáveis é um artifício legal que evita que a tabela do IR seja corrigida de acordo com a inflação.

A tabela progressiva do IR da pessoa física e as deduções legais vêm sendo corrigidas há oito anos pela meta de inflação fixada pelo governo. Como o IPCA, indicador usado na meta, tem ficado sempre acima do "centro", embora dentro da meta, a tabela vem acumulando sucessivas defasagens. Além disso, a tabela ficou um período sem correção. De 1996 para cá, a defasagem supera 61%, conforme o Sindifisco Nacional, o sindicato que reúne auditores fiscais da Receita.

"Tem gente contribuindo que não deveria e tem gente contribuindo com mais do que deveria", diz Claudio Damasceno, presidente Sindifisco. Pelas contas do sindicato, a parcela isenta dos salários, hoje em R$ 1.787, deveria ser superior a R$ 2,8 mil. Além de tributar um maior número de pessoas, a defasagem da tabela progressiva acaba empurrando vários contribuintes para uma alíquota superior, aumentando sua "contribuição".

"É uma política que prejudica a camada da população que ganha menos, que está próxima da faixa de isenção e aqueles que pagam uma faixa acima do que deveriam", comenta o contador e advogado Pedro César da Silva, sócio Athros Auditoria e Consultoria. Para o tributarista Roberto Quiroga, do escritório Mattos Filho, o discurso oficial é "contraditório", porque "o governo faz política de renda, mas se apropria de parte dessa renda via imposto".

"É uma estratégia arrecadatória", diz o advogado tributarista Luiz Rogério Farinelli, sócio do escritório Machado Associados.

As empresas devem reter a maior parte do IR da pessoa física na fonte. Assim, quase metade dos R$ 292,81 bilhões arrecadados com IR em 2013 foi descontada no pagamento dos salários. Somados com o imposto pago depois da declaração (rendimentos pagos sobre o trabalho assalariado), a pessoa física respondeu por R$ 219 bilhões, ou 75% do IR recolhido.

O problema com a tabela é parte da história. Dentro de sua estratégia de controle máximo, a Receita vem fechando o cerco sobre o contribuinte. Hoje, qualquer movimentação financeira acima de R$ 5 mil precisa ser informada ao Fisco pelos bancos e administradoras de cartão. Detrans de todo o país são obrigados a informar as aquisições de veículos. Cartórios precisam comunicar a compra de imóveis.

A eficiência dos controles pode ser atestada por um dado informado pela própria Receita Federal: nos últimos três anos, o órgão apurou um aumento de 7% no número de declarantes e de 25% no de retidos para averiguação. Em 2013, 711 mil contribuintes enredaram-se na malha fina.

Na visão de Silva, da Athros, o governo se apoia na lei para, por simples inércia, aumentar a arrecadação em termos reais todos os anos. Mas isso não ocorre só com as pessoas físicas. Algumas estratégias são semelhantes às utilizadas com as empresas. É o caso do limite do Simples Nacional, cujo teto de faturamento é mantido em R$ 3,6 milhões desde 2012.

Com 11 mil auditores fiscais em atividade em todo o país, a Receita Federal atua na tributação, fiscalização, controle aduaneiro, combate à sonegação, contrabando e tráfico de armas e drogas. O órgão informa que aplica 12 mil horas por ano às questões ligadas ao controle do IR, como desenvolvimento de programas.

Fiscalização, autuação e processamento de multas consomem "aproximadamente" 4,7 milhões de horas. Só a análise de malha requer mais de 590 mil horas. A fiscalização de pessoas físicas supera 822 mil horas.

"Vivemos um grande Big Brother Fiscal. O Grande Irmão é a Secretaria da Receita Federal, que tudo sabe, tudo vê, tudo controla", afirma João Eloi Olenike, presidente-executivo do IBPT. "A Receita é, junto com o Itamaraty e com os ministérios militares, o terreno da capacidade técnica", defende Gustavo Andrey Fernandes, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-Eaesp). " A Receita é uma das áreas de excelência."

Toda essa excelência pode estar também a serviço de uma mudança no perfil da tributação brasileira. Quiroga prevê que a participação do IR na arrecadação federal total vai aumentar. Em 2013, o IR proporcionou 25,7% da arrecadação total de R$ 1,14 trilhão. Ele acha que a tributação sobre a renda vai se aproximar do de países como EUA, em que metade da arrecadação é feita sobre os rendimentos e metade, sobre o consumo.

 

 

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