Não seria exagero afirmar que o requinte de crueldade da reforma trabalhista do governo Temer, passa através do noticiário a impressão de que a culpa pela situação do mercado de trabalho que o Brasil atravessa hoje é exclusivamente dos trabalhadores acusados de terem uma legislação que os beneficiam e prejudica os patrões. No fundo, o governo tenta difundir uma mentira e empurrar a culpa pela sua incompetência em cima daqueles que produzem e pagam impostos.

"Surpreende que, com popularidade de 5%, Michel Temer se ache legitimado para tamanha transformação. Um governo ilegítimo, que não consegue sequer reunir a maioria dos votos necessários para a aprovação das reformas no Congresso Nacional, deveria estar trabalhando por uma agenda de desenvolvimento econômico que tivesse como meta a criação de empregos e desenvolvimento social. Já somos mais de 14 milhões de desempregados no país. Em contexto de grande desemprego, a possibilidade de trocar o legislado pelo negociado em contratos “livres” se assemelha à liberdade da raposa no galinheiro. Ta na hora de parar com a enrolação e começar a trabalhar senhor presidente", recomenda Canindé Pegado, presidente do SINCAB.

Órgãos oficiais confirmam a extensão da crise econômica enfrentada pelo Brasil: o PIB, que caíra 3,8% em 2015, recuou 3,6% em 2016. A taxa de desemprego, que decrescia desde 2003 e atingiu o menor valor da série história em 2014, quase dobrou desde 2015, atingindo 13,5 milhões de pessoas no início de 2017. Hoje já são mais de 14 milhões de desempregados.

Além da destruição de postos de trabalho, o aprofundamento da crise econômica tem resultado em precarização do emprego e queda real dos salários.

Hoje, os meios de comunicação e o governo apontam que a culpa da crise no mercado de trabalho é dos trabalhadores, que têm muitos direitos. Esse foi o mesmo discurso da crise dos anos 1970 com Thatcher e Reagan, que fortaleceu o neoliberalismo na teoria e na prática nos países centrais, levando-os aos países periféricos: no Brasil dos anos 1990, reproduziu-se esse mesmo discurso. Portanto, nada de novo ou moderno até aqui.

Uma proposta priorizada pelo Governo e já sancionada é a terceirização irrestrita para qualquer nível de atividade e não somente na atividade meio, por meio do PL 4302/1998.

A segunda é a proposta de Reforma Trabalhista (PL 6787/2016), cujo cerne é a prevalência do negociado sobre o legislado, parecendo ignorar que a CLT não impede que ocorram negociações para além do que a lei estabelece desde que sejam para mais. Nesse sentido, o negociado prevalecer sobre o legislado significará a possibilidade de contratações em patamares inferiores aos estabelecidos pela legislação, com a redução de direitos.

 

Mas vejamos alguns mitos que baseiam a reforma trabalhista:

1. Flexibilizar gera emprego.

Estudos recentes demonstram não haver correlação entre rigidez da legislação trabalhista e nível de emprego, mas sim uma correlação entre crescimento econômico e geração de empregos (Baccaro e Rei, 2007).

Até o Fundo Monetário Internacional (FMI), conhecido pelo apoio a medidas de flexibilização, aponta em recente relatório que leis trabalhistas não afetam a produtividade e a competitividade do país.

 

2. Flexibilizar poderia gerar emprego no Brasil.

Durante os anos 1990, a flexibilização das leis trabalhistas foi testada no país, com a instituição de contratos parciais e temporários. Ao contrário da retórica oficial, houve crescimento do desemprego e aumento dos postos de trabalho com baixa proteção.

Entre 2003 e 2014, no entanto, foram criados 20 milhões de empregos formais, com carteira assinada, e alcançada a menor taxa de desemprego que se tem registro na série histórica sem reforma trabalhista, com as mesmas regras que hoje o governo responsabiliza pelo desemprego.

 

3. A legislação trabalhista brasileira é ultrapassada.

É uma falácia caracterizar como ultrapassada a legislação trabalhista no Brasil considerando os diversos ajustes já realizados na mesma, inclusive no processo Constituinte de 1987-88.

Também é falso justificar a suposta “modernização” da legislação trabalhista responsabilizando “encargos sociais” pela rigidez no mercado de trabalho. Se o mercado de trabalho brasileiro é rígido, como a taxa de desemprego quase dobrou em dois anos?

É importante pontuar que, na maioria dos casos, “modernizar” as relações trabalhistas significa retirar direitos historicamente conquistados, “modernizando” o país de volta aos anos 1930.

 

4. O mercado de trabalho brasileiro é rígido e o trabalho é caro.

Historicamente, o Brasil apresenta uma das taxas de rotatividade mais altas do mundo (46% ao ano) e alto grau de informalidade, fatores que reforçam a importância não da flexibilização, mas da regulação do emprego. Há também contratos parciais e temporários.

Quanto ao custo do trabalho supostamente alto no Brasil, em 2016, por exemplo, o custo da hora trabalhada no setor industrial chegou a U$ 2,90 por hora, valor abaixo do verificado na China (U$ 3,60 por hora no mesmo período). Aqui, os baixos salários tendem a variar nos ciclos econômicos, com grande heterogeneidade estrutural, o que reforça a importância da regulação do emprego.

 

5. Terceirizar é uma boa opção para os trabalhadores.

Estudos mostram que a terceirização leva a condições de trabalho mais precárias, salários menores e jornadas maiores, ampliando a precarização no mercado de trabalho.

 

6. Com a redução dos custos, o empresário poderia contratar mais.

A lógica empresarial não tem como objetivo gerar empregos e sim lucros. A empresa só contrata a quantidade de trabalho necessária para realizar a produção planejada. Se não houver expectativa de aumento de produção, uma possível redução de custos será revertida em aumento de lucros e não contribuirá para reduzir o desemprego.

Além disso, uma empresa pode até lucrar mais ao reduzir sua folha de salários. No entanto, se todas as empresas reduzirem salários, cairá o consumo e o crescimento, significando menos vendas e lucros para todas as empresas. Portanto, as políticas de arrocho salarial são, na realidade, um tiro no pé. Além de não gerar empregos, têm o efeito de reduzir o nível geral de salários e de consumo, reforçando a atual tendência recessiva: as medidas propostas pelo governo para o mercado de trabalho não beneficiam os trabalhadores, tampouco o setor produtivo.

Como se vê nos seis itens acima, não há evidências, portanto, que sustentem as teses apresentadas pelo governo ou pela grande mídia. Aumentar a flexibilidade dos contratos de trabalho e reduzir direitos, além de não gerar empregos, fragilizará ainda mais o trabalhador brasileiro, debilitará seus planos de vida e piorará as condições de trabalho no país.

Diante disso, antes de pressionar pela aprovação de reformas que ampliam a precarização e retiram direitos, o governo Temer deveria apresentar uma agenda de crescimento econômico que articule a política macroeconômica – fiscal, monetária e cambial - com medidas de desenvolvimento industrial e tecnológico, ampliação dos investimentos públicos e ações que ajudem a recuperar o investimento privado.

Por isso, precisamos dizer não à tentativa de nos convencer de que ter menos direitos é bom e necessário. Precisamos dizer não à reforma trabalhista e à reforma da previdência, que vão no sentido de reduzir direitos dos trabalhadores e criar uma sociedade ainda mais desigual.

 

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