Atacada por operadora de TV e cineastas, agência reguladora está no centro de polêmica no setor audiovisual

RIO - Um dos principais palcos de discussão sobre a produção audiovisual no Brasil ganhou ares de debate político nesta quinta-feira. Uma mesa realizada no RioContentMarket, evento internacional sobre a cadeia produtiva de conteúdo para TV e meios multiplataforma, tratou de um dos assuntos mais polêmicos atualmente no setor: a lei 12.485, que foi aprovada em setembro do ano passado após cinco anos de discussão no Congresso e que trata de disposições para a TV paga no país. No centro da discussão esteve Manoel Rangel, diretor-presidente da Agência Nacional de Cinema (Ancine), órgão do governo de regulação e fomento do setor audiovisual. A Ancine sofreu dois ataques durante a semana, um da operadora de TV via satélite Sky e outro de cineastas, criticando normas e apontando uma possível incapacidade da agência de dar agilidade à cadeia do audiovisual. Ambos repercutiram no RioContentMarket.

A crítica da Sky veio em forma de anúncios veiculados em revistas e na TV, apontando o que considera falhas na regulamentação da lei. Já a dos cineastas virou um texto divulgado pela internet, intitulado "Declaração dos direitos dos cineastas". Em ambos, a Ancine é o foco principal. Enquanto o anúncio da Sky diz que "a Ancine está (...) trazendo diversas regras ora incoerentes, ora ilegais e inconstitucionais, afetando diretamente os direitos dos consumidores e a liberdade de expressão e comunicação", o documento dos produtores diz: "A Ancine, que tem o dever legal de agir em nome dos cineastas brasileiros, não pode baixar regras que inviabilizam a produção audiovisual, que tem como característica principal a agilidade."

As duas manifestações surgem num momento em que importantes Instruções Normativas da Ancine estão em consulta pública, tanto sobre a lei 12.485 como sobre a prestação de contas de obras realizadas com recursos de incentivo fiscal. No caso da ação dos cineastas e produtores, o texto foi escrito por Renata de Almeida Magalhães, com apoio de Luiz Carlos Barreto e outros cineastas. Um de seus principais pontos trata exatamente da prestação de contas, dizendo que "os orçamentos dos projetos apresentados traduzem uma estimativa de custos e não podem ser confundidos com o documento definitivo". Na terça-feira, a Ancine decidiu estender por mais 60 dias uma consulta pública sobre a prestação de contas de projetos.

— A lei brasileira entende que a Ancine é um órgão do Estado brasileiro e não pode se configurar como a representação de um setor profissional específico. Para isso já existem os sindicatos e as associações — defende-se Manoel Rangel. — No documento dos cineastas, há uma série de obviedades que a Ancine já pratica.

Rangel assumiu o cargo de diretor-presidente da Ancine em 2006, teve seu mandato renovado uma vez, mas, por um prazo imposto por lei, terá que deixar a agência em maio de 2013. Formado em Cinema e com uma carreira de documentarista, ele é considerado hoje um importante quadro de seu partido, o PCdo B. No RioContentMarket, após sua apresentação pela manhã, produtores cercaram Rangel para tirar dúvidas ou pedir ajuda na solução de algum processo pendente na Ancine. Paa todos, o discurso era semelhante: "Você tem que procurar a área técnica".

— Muitas dessas discussões são de ordem meramente política. Tem gente que chega a dizer que a Ancine não deveria existir, o que eu discordo — diz Ricardo Rangel, diretor de operações da Conspiração Filmes. — O que acontece é que temos uma preocupação de a Ancine fiscalizar tanto ao ponto de tornar o negócio difícil. Temos um projeto de série de TV e longa, chamado "Vermelho Brasil", que chegou à Ancine em dezembro de 2010 e até hoje não foi aprovado. Nós já temos até um primeiro corte de edição feito.

Parte da preocupação em relação à lei 12.485 também tem relação com a falta de agilidade da agência. A lei já está em vigor, mas ainda depende de regulamentação para que seus principais pontos passem a valer. Entre esses, estão a criação de cotas de exibição para a produção brasileira de filmes, séries, documentários e animações em canais com esse perfil; a exigência de que os pacotes oferecidos pelas empresas de TV por assinatura tenham ao menos um terço de canais de filmes, séries, documentários e animações com produção majoritariamente nacional; e a agilização dos processos para a instalação de serviços de TV a cabo nos municípios brasileiros. A regulação de tudo o que tange o conteúdo da lei caberá à Ancine, enquanto os serviços de telecomunicação continuarão sendo regulados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

— A lei que temos foi a lei possível. O espaço de três horas e meia por semana para conteúdo nacional, por exemplo, é simbólico. Mas, pela primeira vez, a produção independente foi contemplada — diz Marco Altberg, presidente da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (ABPITV), que organiza o RioContentMarket. — A Ancine parece ter consciência de seus desafios. Assim como os produtores brasileiros, ela precisa se preparar para o novo, sobretudo na TV, meio que exige uma agilidade diferente da do cinema.

No momento, a voz mais crítica contra a Ancine vem do presidente da Sky, Luiz Eduardo Baptista da Rocha. Nos anúncios publicados pela empresa, são apontadas o que a Sky considera falhas na lei, como uma possível intervenção do Estado em negócios privados, que levaria a um eventual aumento de preços. A Sky também entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) apontando inconstitucionalidades na lei, por entender que a política de cotas seria contrária à liberdade dos meios de comunicação. A empresa ainda veiculou vídeos com atletas, como o jogador de vôlei Giba, questionando o fato de o esporte não ser considerado pela Lei 12.485 um conteúdo qualificado, e afirmando que o espaço dedicado a transmissões ao vivo poderá ser reduzido.

— Nunca fomos contra a confecção de conteúdo nacional, mas somos contra a cota obrigatória, porque quem vai pagar essa conta é o consumidor — afirma Baptista da Rocha. — Na Ancine ninguém trabalha em TV, eles não sabem nada sobre isso e ainda querem decidir o que vamos fazer. Não temos medo de competição. Somos contra a interferência excessiva da Ancine. A agência deveria comprar logo parte das empresas, já que eles querem mandar sem ser donos de nada. Ela age como um porteiro de boate, que decide quem entra, mas não diz o porquê.

Rangel prefere não comentar a ofensiva da Sky. De concreto, ele diz esperar que as duas consultas públicas sobre a lei 12.485, cujo prazo de contribuições termina neste domingo, recebam sugestões de todos os lados do debate. A Ancine deve publicar as normas sobre a lei até meados de abril, definindo pontos como a quantidade de reprises permitida pelas cotas ou o que é horário nobre para cada tipo de canal. Até lá, resta esperar pelas cenas do próximo capítulo.

* Colaborou: Tatiana Contreiras

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